NOT I: Tudo começou com escuridão na maternidade. Antes da
escuridão veio a maternidade do antes. E as conseqüências funestas fundadas na
cócega embaixo da pálpebra. Muito pouco equilíbrio o suficiente. Pelo máximo
homeopático estupefaciente em parturientes audições eu vento. E vindo de cada
janela fendas. O furo geométrico na parede erguida do corte epistemológico era
o crivo da janela fechada. Café e cana de açúcar? Fedor de eucalipto na fábrica
de desinfetante. Não, eu não trago reclamações disfarçadas de pareceres. É fato
que eu reconheço expressões de perecimentos em suas naturezas diversas. E me
afeto. Eu não entendia o porquê de tantas viagens que fazíamos sempre para o
mesmo lugar. Algumas limitações sempre foram as minhas mais importantes
motivações.
Solilóquio 2
Um quarto. Dois meses depois. Um palestrante enfático imerge
em estados de êxtase, e oscila. Como a janela estava aberta, os sons da rua
invadiam agredindo, susto com diálogos ilusórios, e imersão na dúvida. Cada
carro que passava com o som alto fazia ele dançar. Durante os quase silêncios alcançava
arrepios. Foi quando a palavra quarto adquiriu um novo formato em seu
pensamento. Adquiriu um peso intolerável e o seu alívio correspondente
imediato. Não chegou a escorrer a lágrima. Acionou o inseticida contra dois
insetos que passavam. Gostaria de saber o que os atraíam porque era intrigante.
O melhor céu estava ao seu alcance. A melhor posição em relação à Lua. Para que
a palavra quarto tenha se transformado num significado, numa vertente temática,
afetada de vetores portadores de portas, precisou que chovesse gelo contra o
vidro da varanda no primeiro dia. Na frente do espelho, atrás da cortina, uma
nuvem dançava, passando de arco voltaico a vulto branco eivado de vazio cinza.
Nuvens passavam sobre todos eles. Um grito, depois de tudo, quando os três já
haviam atravessado a rua. Um transeunte da urbe que pegou um saco com o par de
tênis encostado no poste. Tirou um dos tênis, jogou no caminho. Tirou o outro
pé e jogou no caminho. No auge da transitoriedade, encontrou três outros
transeuntes. Abordou um deles, enquanto os outros caminhavam mais devagar,
olhando discretamente para trás. Conversas inaudíveis com oscilações tonais.
Solilóquio 3
Olho além dos arabescos depauperados e alcanço o vidro da
porta. Não é muito longe. Com um pouco menos de esforço noto uma planta que
floresce num grande vaso do outro lado. Eu tinha dado as costas para a chuva
que alcançara todos os nossos esconderijos auditivos. Além dos arabescos
depauperados fiz uma pergunta em desencontro. Ela alcançou a pedra da pérola do
teto de vidro com a mão. Não a lâmpada, mas o texto de vinte anos atrás. O
mesmo texto de vinte mil anos atrás. A paixão provocara os movimentos às cegas
iniciais. Eles trouxeram cegueiras e vislumbres eivados de enlevo. Não
importava o que era levado, o amor alcançava cada estímulo nervoso. A tradução
era feita em onda, em arco vibratório, em dança de contato. Na transição de
estados de atenção, nos orifícios secretos de portais incrustados na mitologia
do corpo, nas arregimentações transversais de somenos importância os problemas
de nervoso. O arrepio no dorso preenchia os braços para frente, os dedos longos
no rosto gordo.
A cura é uma armadilha. Um passo além dentro do medo. Um
passo no medo da continuidade de uma coisa cadavérica de cada vez. Disseram-me
que há gente sendo feita o tempo todo. Nesse ponto, a continuidade entre
decepção e tentativa parece um fenômeno evidente. A intensidade, o medo, a cura
que tangem o processo budista da desfaçatez.
Solilóquio 4
Eu poderia ser fotografado naquela posição. Esta relação de
exposição me excitava a incitar-me este desejo secretamente. Selecionando
preferências com os braços no balcão. Afirmando modelos, na tentativa sádica de
devorar os códigos, em definitivo. Os presidiários apóiam os braços para fora
dos portões. As mãos nas grades posicionadas como adereços andrajosos ofereciam
cinzas na manifestação do colorido poluído. As mãos eram toda a dor do mundo. A
condição de exposição ao caos, e suas incidências, sobre a urbe o proto e o
gesto. Até agora pouco eu quase me esqueço, e me pegava retomando a mesma
relação de grade, pendurando-me no limite.
Eu poderia me estrepar, deixando cair um ou dois membros no
meio do trânsito, atingindo tanto as pessoas como os carros com meus membros em
despedaços, afetando-os dos interiores aos arredores, incitava-me eu mesmo com
excitações secretas. Afetou-me o baço ontem. Um dia inteiro dedicado à função
nenhuma, disfarçado de horas de trabalho, devotando melancolia e vômito. É que
comi. Ao começar o jantar notei que havia um corte no meu dedo. Não dei conta
da profundidade. O que me alarmou foi a retidão do corte na pele, a discrição
do alarme, a sirene passou como um despertador por engano. Incomodou o outono
nos contornos da cebola. Meu olho lacrimejou. Meu olho lacrimejou. Meu olho
lacrimejou. Caminhei em linha reta, indo e voltando, repetindo o lugar num
mesmo percurso num mesmo lugar. As linhas retas afetaram as manifestações
transversais. O susto adjacente atirou-se pelas janelas abertas. Ao lado os
espelhos sem cortina cuspiam tanto que acabou meu pai.
Silolóquio 5
Atenção, a felicidade sempre foi. A felicidade, certamente.
A felicidade, instaurada no corpo de um lar, no corpo insular. Insuflada de
peninsularidade, a felicidade é uma idéia dolorosa. A irrigação peniana
genitalóide, arrebatada do e pelo ingênuo ingênero, não decifra a
peninsularidade do significado. É insignificantemente intrigante. A demasiada
inversão até o nada tornou a soar com o tom da absoluta encenação: a
mendicância de sentidos na condição aniquilada da mendicância de recursos. A
faixa dos ciclistas é vermelha, tem cruzes distribuídas no cruzamento. O que me
assusta é a Lua da André de Barros.
Velo de ojos por los cuales parpadean
las horas aburridas del médio... Lejanías mirables por las todavía no
extrañadas suficientemente... por las ventanas todavía no abiertas mientras
despiertan cierran hacia el medio del miedo en el todavía no extrañado
suficientemente... Las lejanías mirables son las hojas en su parpadeo...
Esse gemido adolescente deve ser emitido enquanto se faz
caso batendo os pés no chão ao som dos tacos marcando meio tom acima da
normalidade até estourar a estrutura envidraçada dos espíritos instaurados tais
quais os alicerces mais desnecessários de um pensamento caducado e carente, sem
amor e sem poesia. Eu tenho saudade do lugar onde eu moro, e morro de ansiedade
para produzir uma lembrança de deleite.
É por isso que tenho o mesmo marcador de página até hoje. Este
que está até agora aqui, e que desde então tenho utilizado. Um pedaço de
guardanapo de papel, escrito: um passo dentro do medo, a cura é uma armadilha.
O mesmo, até hoje: os seres da redação ainda me parecem de um certo dramatismo
traumatismo e têm não sei que toque de alucinatório.
Solilóquio 6
Solilóquio 8
Solilóquio 6
O que mais me incomodava naquele
organismo aberto de afetações devia ser a escola de inglês cuja janela ficava
bem na frente da minha janela. Uma janela com pessoas trabalhando dentro,
exposta a uma janela com pessoas morando dentro fora. Ocorria intensa
circulação sanguínea ali nas minhas coxas. Eu coçava e naturalmente surgiam
pequenas bolinhas brancas na pele vermelha. O bi-articulado colocava-se na sua
via que era específica à sua sujeira. Naquele ciborgue, irrigado de
temporalidades fragmentadas, eu morava secretamente através de uma evidente
experiência de traumatismo cronológico. A cronologia urbana, distribuição
espacial de desigualdades, padrões em estado de fraude evidente, evidentes
fluxos de vida, comércio, impermanência, e agressão de todos os tipos. Daquele
ciborgue eivado de esvaziamento que eu falava. Fazendo parte daquilo, era como
se eu sempre me despedisse.
O que está escrito aqui? Eu não
vou repetir a pergunta infinitamente, flor de obsessão. Flúor é uma geléia
nojenta e alienante na boca que baba. Toda essa provocação é insana. Quer
dizer, provocações insones. O sono vem e vai, em todo momento. Dormíamos
demasiado durante aqueles que foram os agora chamados últimos dias, e
desejávamos muito pouco o estarmos acordados. Estamos oscilando demasiado sob a
ótica alucinada de uma abordagem plural da emissão omissiva. Tanto é que se
pronunciou essa cavidade de dentro pra fora. Essa concavidade com vértices
convexos que do meu ponto de vista chamo de ponto entre arestas. A dança da fresta
entreaberta. Convites antecipados. Eu vou estrear na noite, no melhor do
rebolado. Os corpos parados não perdem, os corpos mortos lideram. Pronuncia-se
uma concavidade.
Cuidado, não vá passar a borracha
na folha em branco, alertou-me recordar-me de quando vivêramos em tantos sem
tamanhos desencontros sem importância. Foi só uma bela passagem. Se coubesse
poderia desenha-lo se soubesse. Em seus trajetos ocorreram transições e
desaparecimentos. Utilizou-se muito o recurso do desmaio. Uma vez que ele se
comunicava por gestos, despediu-se balançando a mão. Quando éramos presentes
era melhor que sem ninguém, e no presente eu pensava: Passeia, mas sua. Fazia
tempo que ele era um sonâmbulo.
Eu gostaria, portanto de chamar a
atenção para uma seqüência de sutilezas, que para serem percebidas
necessitariam da indiferença, da ignorância e da escrotidão. A alquimia da
alegria aponta, dentre muitos dos seus caminhos, para este recurso. O desmaio
da boa vontade pessoal em nome de uma rede impessoal. As impossibilidades de
convivência que são evidentes, e evidências da necessidade de invenção, e
evidências de que pouco tem provocado algum significativo efeito estrutural.
Solilóquio 7
Um passante da rua me olhou
enquanto passava. Comentou com a sua companheira, uma passante: “ele não sabe,
mas está sendo filmado”. Isso me assustou quando percebi. Teria eu ouvido
aquilo de fato? Uma vez que ouço, vejo, sinto os cheiros, e sinto os gostos,
como um objeto em experiência singular. Será que ele quis dizer que eu estou sendo
um objeto de estudo? Uma equipe fotográfica tem registrado cada impulso e
calculado. E eu começo meramente a me excitar lembrando o quanto era calculado.
Ele dizia:
Estou delegando alguns palpites
segundo minha intuição e minha percepção. O anti-nelson rodrigues que vou
encenar será e conterá um anti-nelson rodrigues em erupção, um trauma
referencial inoculado, que estaria acontecendo simultaneamente ao original.
Coreografia de duplos, oscilação de personagens entre cada dois atuantes.
Algumas narrações de macunaíma poderiam ser reconhecidas em passagens
específicas de momentos fronteiriços.
- e então, nós somos sedutores.
- isso tem me assustado.
- calma, cuidado, atenção; esta informação é tão nova para você
quanto é para mim. estamos aprendendo a lidar com isso, digerindo cada vez
melhor este fator.
- somos sedutores.
- assusta-me que ainda façamos isso dessa maneira, não acha
perigoso quando alguém diz “nós somos” alguma coisa?
- digerindo cada vez melhor até o estado fecal.
Adquiri um estado de silêncio
profundo. Um estado profundo de silêncio. Um estado de silêncio profundo.
Profundo foi onde começou o rebolado. O aspecto espiral em excelência. Inspira
e expira pelo nariz. Emanavam contornos violetas ao seu redor. Carimbava
perfis, figuras-fundo. Despejava em relevos as camadas gustativas da atenção.
Dialogava com os paralelos extensivamente perpendiculares. Além de expressar o
espírito de gozo e raiva quando o espirro saía. Quanta maquinaria cênica...
Elaboramos tantas compreensões de dramas pessoais, que quase colecionamos a nós
mesmos. Ao redor de objetos da simplicidade mais desconcertante e arrebatadora,
o que gostaríamos que fôssemos, mas não podíamos admitir que o éramos. Era o
que nos restava fazer àquele respeito. A esse respeito os ladrilhos espatifaram
na cara dos cancionistas. A cerâmica em pó irritou aquelas privilegiadas
retinas, esborrando as fronteiras entre pupilas e pupilos.
Solilóquio 8
Não, eu não sou mineiro. Eu sou
minério. Quer dizer, eu minero. Eu me nego a escrever mais um projetinho. Eu me
nego. Não, eu não me nego. Eu não me nego. Eu não me nego. O torpor do sono é
meu melancólico despertar sagrado. Fiz com que um manequim andasse de bicicleta
pela cidade no meu lugar, para que eu pudesse estar aqui agora. Na presente
condição de coleta indeterminada. De certo que se dão translúcidos percalços
nos cascos dos espíritos mais transeuntes, mas não é só porque parece que é de
tudo o que cola no seu espectro pegajoso que não exista critério algum, nem
tenha que existir, nem tenha que existir falta de.
Solilóqui 9
Estava levando minhas coisas para
outro lugar novamente. Uma parte delas já estava lá. Na verdade, o que está
acontecendo agora, é que tento entender. Novamente. Na verdade, contei que ia
subir e descer as escadas seis vezes. Descer e subir. Exauri-me em tanta
decodificação, em tantas decifrações, em tantas dissecações. Ocorre que esta
situação tem tantas pontas e tanto alcança quanto escurece tantos focos.
Precisava estabelecer um começo para que pudesse haver continuação.
“Tão superficial quanto
Nietzsche”, quem foi que me disse isso mesmo? Esta situação. Não acreditava que
eu estivesse voltando. Embora eu estivesse levando minhas coisas de volta, eu
não entendia aquilo como um retorno. Apenas se vai, não é? Ou melhor, é em movimento
que as coisas sempre aconteceram, não é assim? Não é assim, isso deve ser
sussurrado, como um bordão bordado em preto e branco. Eu estava tenso de
felicidade. Logo que eu cheguei era um dia à menos que eu ficava ali. Comecei a
entender que o que sei passou a ser o que podia ser percebido como vivo e
perecível. Comecei a desconfiar, e a ter certeza de que desconfiava.
Eu não estou falando de nós como
uma teia, eu estou falando de mim como um atrelado de teias. É mentira. Se o
que eu estou falando pudesse ser lido com a inclinação menos melancólica que a
minha própria disposição espacial em relação a informação, que por sua vez
coloca em relação a informação falada, a informação lida, as impressões das
minhas inclinações estaria salva dos segmentos detratores da experiência de
leitura.