A mesma crítica de
talvez quase meio século, essa que faz a leitura de um Macunaíma preguiçoso e
mal caráter, e que parece ter apenas o Walt Disney e o Zé Carioca como
parâmetro, é a que recentemente aproveita para tecer teses contra essa ou
aquela característica artística dessa ou daquela arte que julga ser a única em
curso no Brasil. E a mídia de grande alcance sempre trás alguém que julga ser
alguma coisa num país como o Brasil, perpetuando uma humorística e superficial noção geográfica.
Alex Antunes, num ponto
da entrevista para a qual coloco o link no final desse texto, aborda
despercebidamente este aspecto de uma leitura crítica-idiossincrática da obra
de Mário de Andrade que ainda não superou o estágio Zé Carioca. Essa leitura ainda
é influente nas opiniões de artistas brasileiros abertamente comprometidos com
seu próprio senso crítico, e Alex aborda o exemplo de Lobão, aproveitando o
lançamento de seu novo livro. Lobão adora falar mal do Macunaíma, e não é só ele. Apesar de não faltarem motivos, a mesma leitura que só vê a preguiça continua em voga.
Vejamos os motivos. De fato, Macunaíma SÓ
tem compromisso com a autonomia. Afinal, roubam-lhe SEU amuleto. ELE vai pra
tudo que é canto pra reavê-lo. ELE! Mãe, irmãos, e outros personagens, se
confundem com o herói. Todas as características e caracteres se confundem ao
longo de toda a obra, e arquitetam armadilhas. Em toda a obra não há limpidez
ou um discurso unívoco em nenhum caráter. Continuando, ELE engana o ladrão do
amuleto se disfarçando de francesa! ELE manipula Céu, Sol, e entidades mil, tal
qual um Exu. E até aí, concordo que sejam coisas de sarapantar. Mas, qual a melhor estratégia para negar um
elemento cultural?
Minha pergunta real é:
Qual afirmação de Mário de Andrade de que pretendia com a obra esboçar o
retrato de um brasileiro não pode ser confrontada com afirmações contrárias do
próprio? Bastaria ler as cartas... O interesse em abordar a alma do brasileiro
está na idiossincrasia de Mário de Andrade. No Macunaíma isso se deu através de
um caráter em processo, à procura de um amuleto roubado. Como contrapor um
aspecto idiossincrático num único resultado artístico?
Mesmo com os esforços
de acadêmicos como Haroldo de Campos, Gilda de Mello e Souza, Telê Porto, as
figuras notáveis dos diversos campos artísticos insistem na "preguiça" de
Macunaíma para articular suas críticas ao cenário atual. Acho curioso, é como se a preguiça atribuída ao personagem se
deslocasse para as possibilidades críticas de leitura da obra ao longo dos
anos. Talvez por preguiça de ler mais de uma vez, talvez pela obrigação de
leitura na escola, talvez pelo “não li, não gostei”. Por pouco não crucificam o personagem. Nunca conseguem crucifica-lo e nunca apontam uma estratégia de combate. As
idiossincrasias que se instauram em mídias de alcance massivo tem a mesma voz.
Levanto o medo da
preguiça. É medo da preguiça? O medo é de abordar a própria preguiça e ver
emergir uma caricatura vigente, facilmente codificável como ideologicamente
conservador? Medo de furar o Macunaíma e observar por um tempo as coisas
através do furo?
Minha preguiça é imensa
e incide tal qual um cone de luz sobre ursas maiores que a iconografia que
conta minha nojenta história recente. São 26 estados e mais de cinco mil
municípios sem amuleto algum, virando constelação sobre constelação. Meu ponto
é que seria necessário considerar outro Macunaíma, outro amuleto e outras
constelações.