Há um ano uma cadela
foi abandonada à escuridão aberta das paredes da garagem. Não sei se foi a
poesia que abriu as portas, ou se foi o palco que abriu as pernas, não sei. Era
meia-noite e ela se escorava nos cantos, escutando fogos sem euforia. Sem
sombra de dúvida o que ela ouvia sangrava, mas a cadela não lambia desprovida das
forças da língua.
Ela se dissolveu imersa
nas ondas mensais. Mas quando os furos silenciaram pariu-me afora, para que eu
não contasse a história de um poema, ou colocasse em cena qualquer voz oca sem
escória. Pariu-me para quebrar a perna e derrubar a porta. Girar os dramas da
vida em espirais de cantigas de roda. Termine o ano latindo como uma cobra, ela
disse.
O que os meus órgãos
vitais estão fazendo na cena, ela me perguntou o ano todo. E pra mim era meu rim,
meu pulmão, meu cérebro, meu sexo e meu coração que me abandonavam. Não o
amor ao amor próprio, ou vozes sem correspondência. Faz um ano que ela deitou
abandonada no óleo velho de números. Mas cavalgará na sétima semana, depois desses
membros largarem o osso.
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