Em primeiro lugar eu
preciso que você saiba que eu estou fazendo uma pessoa que está saindo da
prisão. Eu estava fazendo essa pessoa que está saindo da prisão. No meio de uma
feira. Uma pessoa saindo da prisão no meio da feira. Mas, nos intervalos
inconclusivos éramos interrompidos por buzinas em crescente ensurdecimento. Pensavam
que ele estava morto! Mas ele estava apenas procurando um local para colocar
combustível no seu veículo. Uma procura constante de combustível para o seu
veículo. Uma pessoa que está saindo da prisão no meio da feira procura
constantemente um pouco de combustível para o seu veículo.
Então, uma mulher chegou
caminhando apressada até o posto, e sorriu para o frentista no momento em que
foi vista por ele. Atrás dela vinha aquele homem, dono do carro. Tinha alguns
centímetros a menos de altura, mesmo se desconsiderarmos o salto alto dela.
Balançava os braços com sorriso informal e sem graça enquanto andava. Corpo de
quem descia uma ladeira, mas estava apenas em linha reta como tantas. Ele
estava procurando combustível, apesar do frentista ter feito questão de
perguntar se não era falta de óleo no motor. Depois de uma conversação
familiar, em tons ofensivos de intimidade humana usando palavras faladas, o
casal voltou para o carro, que estava parado do outro lado da rua, com um galão
de gasolina na mão.
Uma viatura da polícia
parou atrás deles. Foi quando eu me certifiquei de que aconteceria algo que eu
nunca deveria ter visto. Ao menos aquilo era uma coisa que eu nunca tinha visto
na vida. Eu, que estava fazendo uma pessoa saindo da prisão, interrompida por
sons de buzinas que ficaram mais graves. A mulher foi falar com os policiais na
janela da viatura, enquanto aquele homem tentava dar partida no veículo. Ao se
sentir protegido pelo o barulho das tentativas de ignição do motor o policial
chamou a atenção da mulher na janela, pedindo para que ela se aproximasse mais,
e demonstrando que o seu verdadeiro objetivo ainda não tinha sido revelado. Na
realidade eles eram aqueles policiais de que tanto se falava na cidade. Eles, os
que discretamente sempre exigiam uma buzina para irem embora. Exatamente nessas
palavras “nós somos os que discretamente sempre exigem uma buzina para ir
embora”.
Quando aquele homem
conseguiu ligar o motor, acendendo as luzes da frente e de trás do carro, os
dois policiais fixaram o olhar na sua nuca branca, num trabalho de
constrangimento em parceria que faziam de dentro da viatura. A mulher foi
caminhando lentamente até o carro, e os policiais pareciam que esperavam ela
chegar. Quando ela fechou a porta, as luzes do carro alteraram a intensidade do
espaço ao redor do veículo, iluminando os olhares atentos e as expressões de
escuta dos dois policiais de forma paralisante e um bocado cinematográfica para
mim, que estava fazendo uma pessoa saindo da prisão no meio da feira.
E certamente eram os
policiais que exigem uma buzina para poderem ir embora, eu pensei, de longe,
tentando não estragar a minha performance. Porque depois de alguns minutos do carro
ter sido ligado, quando os ouvidos já tinham se acostumado com o ruído contínuo
do motor, soou novamente a buzina. Um dos policiais abriu o vidro e acenou com
a mão esquerda, juntando bem os dedos apontados pra cima, enquanto passava com
a viatura ao lado do carro antes de desaparecer. A mulher e aquele homem também
partiram, com um pouco de combustível que ele tinha encontrado para colocar no
carro. Você pode não acreditar, mas eu estava apenas fazendo uma pessoa saindo
da prisão no meio da feira quando começamos a escutar as buzinas ensurdecerem.