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Foto - Andreia Costa |
A minha lentidão e a minha calma são organizações da
ansiedade, das angústias caóticas causadas por julgamentos que eu mesmo faço
sobre mim na interpretação dos outros, e das preocupações com os olhares
escondidos do outro. É uma calma tão cheia de ansiedade que facilmente se
confunde com um nada, um inofensivo nada para quem está no fora particular que
lhe diz respeito. Confunde-se alguém tão devagar com uma pessoa que
praticamente não está ali, exceto quando está no caminho ou no campo de visão
de outra pessoa. Uma existência que está mais para o signo do que para a vida
humana, um disfarce retilíneo de neutralidade que se comporta como se merecesse
ser especulada, ainda que no tom televisivo sobre a fauna, a flora que foca nas
suas peculiaridades reprodutivas, nutritivas, deixando o cognitivo quase sempre
num plano de fundo. Eu me alimento devagar porque já arranquei pedaços da boca
em mastigadas rápidas, a fome é uma forma de caos que morde de forma
atravessadora. Eu ando devagar, mas nunca tive pressa em me deslocar
fisicamente. O que eu tenho é medo. Até porque, já tropecei e me arrebentei
inteiro diversas vezes ao cair. Numa delas eu havia me recusado a ir ao
hospital, e o sangue ressecou ao redor de um dos meus olhos fechados. Quando
acordei não lembrava o que tinha acontecido, mas tinha um projeto de cicatriz e
nenhum óculos no rosto. É um medo de cair e de trombar nos objetos ou nas
pessoas. E ser alvo de represálias por conta do descontrole em que existo, algo
que se deixa ler entre essas inabilidades motoras. O descontrole me coloca em
movimento, por isso me movo bem lentamente, tentando me apoiar nos limites,
reservar um pouco de fôlego nas
extremidades, cultivar algumas palavras nas narinas. Esse medo da minha própria
voracidade me trás algumas vantagens, como a notória exiguidade da persona, cuja
cabeça parece não fazer parte do resto do corpo exceto pela voz. E também
algumas desvantagens, como a de estar sempre registrando o passado, revertendo
anterioridades das explosões como quem lida com palíndromos. Eu seduzo devagar,
entoando mantras deslocados de diversos idiomas, num amálgama difícil de
mastigar sem um refresco. Construo um espaço comum que invade o meu e o seu, e
nesse espaço invasivo me esqueço lentamente das dúvidas acerca das prioridades.
Isso não pode ser feito com pressa, como no tempo do hipertexto digital. Posso
garantir então que o meu medo não é o de morrer sem ter terminado nada do que
comecei ou de não obter reconhecimentos desses começos em vida. É um medo de
morrer e deixar as coisas terminadas, é morrer na terminação dos começos, é
morrer com tudo o que me fez existir concluído, isso me angustia.
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